Por Jész Ipólito
Hoje completa 6 dias desde a morte de Luana Barbosa dos Reis. Ela, mulher lésbica-mãe-preta-periférica, de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Seis dias que sua vida foi roubada por polícias militares da cidade de Ribeirão Preto. Sete dias que a dor e a indignação em busca de justiça se somaram, tornando combustível de luta para que morte de Luana não caia no esquecimento. Há sete dias que começou a ser trilhado o caminho em busca de aliados&reparação à família, em busca de investigação, punição para os assassinos. Não há outra palavra a ser usada que não ASSASSINOS! Polícias militares abordaram Luana na rua, no caminho para levar o filho à um curso, no início da noite. Tudo que eles precisaram foi de uma recusa da parte dela em não permitir que fosse revistada por HOMENS. Vejam, Luana não era HOMEM e sabia do seu direito em exigir uma policial feminina a revistasse então.
Mas se torna um desacato quando a preta reivindica o que é legítimo, polícia não aceita cumprir procedimentos; só cumpre o que é determinado por esse política racista de extermínio: Matar, matar, matar!
No Código de Processo Penal – que regula os procedimentos pertinentes à busca pessoal – diz sobre a busca em mulheres: Art. 249. A busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência. Ou seja: a regra é uma policial militar feminina para revista-la! Não havendo suspeita fundada, o procedimento deveria ser outro, mas Luana era preta, se vestia de forma mais “masculina”, e isso foi suficiente. Uma testemunha presenciou tudo: “Foi uma coisa de terrorismo que eu nunca tinha visto na minha vida. Eles foram muito violentos. Deram bastante cacetada nela, nas pernas, mas muito. Batiam com o cassetete”.
Os PMs alegaram que Luana foi quem agrediu eles, que eles é que tinham ficado feridos bem mais que ela. Ora, uma reação que foi a fala, a postura dela de se colocar contra a revista já foi motivo para eles agredirem tanto ela que depois de alguns dias no hospital, Luana faleceu, conforme atesta o laudo: “uma isquemia cerebral aguda causada por traumatismo crânio-encefálico”. Em reportagem feita pelo G1, mostra a fala do Tenente-Coronel da Polícia Militar Francisco Mango Neto, dizendo que não houve “excesso” por parte dos policiais, que ELA foi ÍNTEGRA para a delegacia (o que será que ele considera integridade física? As fotos tiradas na delegacia mostram Luana completamente machucada!), que ela desacatou e agrediu policiais. Além de evidenciar que Luana tinha passagem pela polícia, como se isso justificasse alguma coisa, como se isso fosse motivo para agredir tanto uma pessoa a ponto de mata-la dias depois em decorrência dessas agressões, os polícias fizeram um boletim de ocorrência CONTRA Luana, se eximindo de toda culpa presente nesse ato criminoso de conter alguém a tal ponto que sobre nada da pessoa: a morte é a via de contenção mais eficiente que eles usam.
Luana era mulher lésbica-mãe-preta-periférica, esses elementos que carregava na pele era o que precisava para que a polícia a visse como um objeto-alvo a derrubar. E derrubaram! De forma bruta e escabrosa, com força e tortura. É uma de nós, negras e lésbicas que se foi, vítima de uma polícia racista e lesbofóbica que não respeitou quando Luana dizia que era MULHER, a ponto dela ter que levantar a blusa para legitimar sua afirmação. Levantar a blusa! Mostrar os seios! Ter de passar por essa humilhação de mostrar o corpo para afirmar sua identidade. Porque Luana era dissidente dos estereótipos de gênero impostos às mulheres. Luana era o corpo-resistência que por existir, foi passível de um ataque brutal como este. Luana é uma de nós.
Não esqueceremos Luana! Não esqueceremos Dayane Ramos ,morta em Maringá por ser lésbica, em 2014; não esqueceremos Laís Rodrigues Castanho morta com 12 tiros por ser bissexual, na zona norte de São Paulo, em 2015; não esqueceremos Priscila Aparecida Santos da Costa morta a tiros por ser lésbica, em Itanhaém, litoral de São Paulo, em fevereiro deste ano!; não esqueceremos mesmo que seu nome não tenha sido divulgado, a execução premeditada de outra lésbica em Rondonópolis (MT), em 2013;não esqueceremos Djeane Ferreira Lima morta à facadas por ser lésbica, em Salvador, 2012. Não esqueceremos aquelas que são invisibilizadas e seus nomes não saem como notícia amplamente divulgada para indignação e repulsa de todas/os!
A comunidade lésbica negra segue morrendo. Nossas mortes são invisibilizadas tal qual nossa existência em vida. Movimentos sociais que seriam apoio e aliança para pautarmos nossas demandas, simplesmente seguem nos ignorando sistematicamente! Até dentro do nosso próprio movimento de lésbicas e bissexuais, precisamos disputar espaços para que uma fala não seja hegemônica, para que o anti-racismo seja a prática corrente de TODAS, para que nossas vivências diversas sejam escutadas por todas. Nossos nomes não são lembrados nem no 29 de Agosto, dia da visibilidade lésbica. Se não for nós por nós, ninguém será. E dentro NÓS, precisamos admitir que o racismo é estruturante, precisamos trabalhar a partir do alicerce, porque enquanto tiver ruim para nós, as PRETA, vai continuar ruim pra todas as não-negras! O feminicídio de mulheres negras cresceu 54% segundo o Mapa da Violência 2015. Isso porque orientação sexual ainda não entrou como recorte; nossas mortes são subnotificadas, não sabemos de nossas próprias estatísticas para querer traçar qualquer panorama mais preciso da situação de lésbicas negras no Brasil. Isso por si só já algo a ser refletido coletivamente, já é algo para incidirmos em diversas esferas públicas para que um dia possamos ter nossas vidas respeitadas, dignificadas, concretizadas. Mas é preciso combater o racismo! É preciso apoiar a família de Luana, de outras lésbicas negras que foram silenciadas pelo racismo e lesbofobia combinados. É preciso erguer todas as vozes contra essas atrocidades.
À família de Luana, meu profundo apoio e solidariedade neste momento e adiante; saibam que ela não será esquecida, e que seus algozes serão cobrados de todas as maneiras! O Estado é responsável pela morte de Luana, a militarização da polícia é responsável pela morte de Luana. O racismo, a base deste Estado genocida, é responsável. Não deixará de ser cobrado!
Do luto à luta,
estamos juntas!
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